Cara a cara com o vilão Voldemort, Harry Potter recebe um feitiço com poder de matá-lo. Voldemort lança a magia dizendo “avada kedavra”, que nada mais é do que a forma em aramaico de “abracadabra”.

Bem antes de a escritora J.K. Rowling usar o uso dessa palavra mágica nos livros da saga do aprendiz de feiticeiro (e não vamos aqui dar spoiler do que aconteceu na passagem acima, para quem ainda não leu os livros nem viu os filmes), o cientista Quintus Serenus, dos tempos do Império Romano, já registrava o seu poder na obra que viria a ser batizada anos depois de Liber Medicinalis.

Na edição do século 13 do livro, uma relíquia, está lá descrito que a palavra “abracadabra” deveria ser usada como amuleto em volta do pescoço para curar a malária.

Na primeira aula de poções que Harry tem na escola de magia Hogwarts, o professor Snape pergunta se ele sabe de onde vem um bezoar, uma espécie de pedra encontrada no estômago de animais, principalmente de cabras, que seria antídoto para essas substâncias com poderes mágicos. A referência a esse antídoto aparecerá várias outras vezes, até quando Harry o utiliza para salvar a vida do amigo Ron.

Um exemplar de bezoar do século 17, assim como o livro que fala de abracadabra, são alguns dos objetos expostos em Harry Potter: Uma História da Magia, exposição em cartaz na Biblioteca Britânica de Londres até 28 de fevereiro de 2018. A mostra segue depois para Nova York.

A exposição, que celebra os 20 anos do lançamento do primeiro livro da série Harry Potter, mostra como praticamente todos os elementos mágicos apresentados por J.K. Rowling apareceram centenas de anos antes em publicações históricas. Os curadores levaram mais de um ano pesquisando o acervo da biblioteca para encontrar essas obras.

Plantas falantes

Dividida em dez salas, com temas como alquimia, astronomia, herbologia, poções e criaturas mágicas, entre outros retirados da grade curricular da escola fictícia de bruxaria Hogwarts, a mostra traz um acervo de livros raríssimos da biblioteca, alguns com mais de 800 anos, além de objetos de arte e itens do museu de bruxaria e magia de Boscastle, na Cornualha.

A parte dedicada às plantas tem publicações que são verdadeiras obras de arte, com as primeiras ilustrações de diversas espécies. Estão lá, por exemplo, desenhos de mandrágoras, as plantas com propriedades mágicas cujas raízes adquirem forma humana – há uma famosa cena do filme Harry Potter e a Câmara Secreta em que elas dão um escândalo ao serem retiradas da terra pelos alunos durante uma aula de herbologia.

Além dos livros exibidos, há um exemplar de mandrágora do século 16, emprestado do Museu de Ciência londrino.

Entre as publicações em destaque está Culpeper’s Complete Herbal, que cataloga várias plantas medicinais, datada de 1652. A autora J.K. Rowling conta ter comprado uma edição de segunda mão da obra para escrever sobre herbologia na saga de Harry.

A sala da astronomia também se destaca com obras raríssimas mostrando os estudos das constelações e do início da astrologia. Está lá, por exemplo, a retratação da constelação Cão Maior, cuja estrela mais brilhante é a Sirius Black – é daí que J.K. Rowling tirou o nome de um dos personagens de Harry Potter.

Os superfãs do jovem feiticeiro também encontram na exposição objetos específicos relacionados aos 20 anos da publicação do primeiro livro, como a primeira sinopse da história, rejeitada por várias editoras em 1991.

Também são exibidos desenhos de próprio punho da autora, de como ela imaginava os personagens, a escola de Hogwarts, etc. Os rascunhos aparecem entre as ilustrações originais dos livros, assinadas por Jim Kay, espalhadas por todas as salas.

Também está lá o bilhetinho de Alice Newton, com então 8 anos, que foi uma das “responsáveis” pela publicação do primeiro livro sobre Harry Potter, que àquela altura já havia sido esnobado por oito editoras. Seu pai, um dos fundadores da editora Bloomsbury, ainda estava em dúvida se publicaria o livro de Rowling quando levou a história para que a menina lesse.

Após a leitura, ela deixou o seguinte recado ao pai, que pode ser visto na mostra: “A excitação nesse livro me fez sentir muito bem. É um dos melhores livros que uma pessoa de 8 ou 9 anos poderia ler”.

Rata de biblioteca

Em um documentário com o mesmo nome da exposição, produzido e exibido pela BBC, J.K. Rowling revela algumas das suas fontes de pesquisa para Harry Potter. Ela conta que um dos seus livros preferidos é As Crônicas de Nárnia: O Sobrinho do Mago, de Clive Staple Lewis, que narra a aventura de crianças pulando entre mundos da fantasia e realidade.

Essas passagens a mundos diferentes, ela diz, são como estar numa biblioteca. “Eu era uma daquelas crianças de biblioteca.”

A história da pedra filosofal, inspiração para o primeiro volume de Harry Potter, a escocesa retirou dos livros que falavam de alquimia e de Nicolas Flamel, que teria inventando a substância capaz de transformar qualquer metal em ouro e que ajudaria a fabricar o elixir para a vida eterna.

Uma das peças mais impressionantes da exposição é um manuscrito de seis metros, com pinturas de criaturas mágicas e plantas, que ensina como fazer a pedra filosofal, do século 16. A lápide do túmulo do alquimista também está na mostra.

“Sonhei que estava no estúdio do Flamel quando escrevi A Pedra Filosofal”, lembra. “O que me fascina na alquimia é que você tem essa mistura de ciências antigas e genuinamente científicas, que hoje reconhecemos como base para a química.”

O cocurador da mostra, Alexander Lock, reforça no documentário essa ideia que permeia a exposição, de que ciência e magia caminham juntas. “A penicilina, por exemplo, é uma fórmula mágica. É uma mágica que realmente funciona”, afirma.

Rowling, que vendeu mais de 450 milhões de cópias de seus livros sobre o aprendiz de feiticeiro, diz não achar que todas as pessoas deveriam crer em magia. “Mas não tenho certeza se eu acreditaria em alguém que não acredita.”

Fonte: G1 | BBC Brasil